sábado, 25 de dezembro de 2010

O verdadeiro Natal


Em período natalino, nada mais importante do que meditarmos não sobre Papai Noel, renas, trenós e presentes, mas sobre o fato mais maravilhosos da história da humanidade: o nascimento de Cristo. Assim, analisaremos João 1.14 com vistas a refletir sobre a encarnação do Rei do Reis e Senhor dos Senhores. O texto de João diz o seguinte:

“E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai” (João 1.14 – Trad. João Ferreira de Almeida Revista e Atualizada).

Como não é raro, a versão da Nova Tradução na Linguagem de Hoje nos oferece um olhar muito interessante e, até mesmo, mais fiel ao texto original:

“A Palavra se tornou um ser humano e morou entre nós, cheia de amor e de verdade. E nós vimos a revelação da sua natureza divina, natureza que ele recebeu como Filho único do Pai” (João 1.14 – Nova Tradução na Linguagem de Hoje).

A expressão “o Verbo se fez carne” deve ser lida em direta relação com João 1.1, onde vemos que “No princípio era o Verbo... e o Verbo era Deus”. Este Verbo, que é o próprio Deus, o apóstolo amado nos informa que ele encarnou em um corpo humano. Assim, João nos dá um testemunho tremendo sobre a divindade de Cristo. Em 1 João 5.20 o apóstolo novamente afirma: “Também sabemos que o Filho de Deus é vindo e nos tem dado entendimento para reconhecermos o verdadeiro; e estamos no verdadeiro, em seu Filho, Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna.” Ou seja, Cristo é o “alêthinos theos” (“verdadeiro Deus”), ao contrário do que todos os não cristãos acreditam e ensinam.

Este Verbo encarnado é, em grego, o logos. Este termo é tão rico em seus significados que é adequado para tentar explicar a soberania divina. O termo logos pode significar tópico, pensamento, razão, discurso, motivo, causa, comunicação, doutrina ou pregação. Ou seja: esta palavra, este Verbo, que está em Cristo e no Deus Pai, e que é ambos, é a força e o princípio de tudo o que existe, pois “nele vivemos, nos movemos e existimos” (Atos 17.28). João está se reportando não à filosofia platônica, mas à sabedoria dos Salmos, onde lemos que “Os céus por sua palavra (ou verbo) se fizeram, e, pelo sopro de sua boca, o exército deles” (Salmos 33.6). É a esse poder criador exclusivo de Deus que João está se referindo.

O curioso é que o termo “logos” vem de “lego”, que significa “reunir”, “montar”, daí o nome daquele brinquedo de montar peças. Falar é unir palavras, assim como escrever. Assim, Cristo não é apenas o Verbo, porque é dele que procedem todas as palavras e ordens divinas, mas também porque nele todas as nações da terra serão reunidas, pois através dele são benditas todas as nações da terra (Gênesis 12.3). Além disso, o termo “lego” também dá origem ao verbo “eleger” (em grego, “eklegomai”, literalmente, “reunir fora”). Por isso, Cristo é a “pedra eleita e preciosa, e quem nela crer não será confundido” (1 Pedro 2).

O termo “legal” também está relacionado com “lego”. Sua origem está no latim “legalis”, relacionado a “legis”, que origina, por exemplo, o termo “legislação”. Isso nos ensina que Cristo é o legislador, que os gregos chamavam de “nomothetes”. Esta expressão é usada por Tiago, quando diz: “Um só é Legislador e Juiz, aquele que pode salvar e fazer perecer” (Tiago 4.12). Cristo é o verdadeiro Legislador, pois somente ele tem o poder de salvar e fazer perecer. Além disso, o termo “legislação” também se relaciona ao latim “legere”, que significa “reunir”, pois a legislação é uma reunião de leis. Assim também, Cristo é a consumação do que anunciaram as Leis e os Profetas (Mateus 22.40).

Além disso, o termo “logos” também se relaciona com a palavra “lealdade”, do latim “legalem”. Cristo, sendo o Verbo, foi leal e fiel até a morte, e morte de Cruz (Filipenses 2.8). Cristo foi leal, pois cumpriu toda a lei e toda a justiça divina (Mateus 3.15).

Outra derivação do termo grego para Verbo (“logos”) é a palavra “leitura”, derivada do latim “legere”. Assim, vemos que Cristo foi o único achado digno de ler o rolo selado que estava nas mãos do Pai, como está escrito: “Todavia, um dos anciãos me disse: Não chores; eis que o Leão da Tribo de Judá, a Raiz de Davi, venceu para abrir o livro e os seus sete selos” (Apocalipse 5.5). Quando o Cordeiro abrir e ler este livro, todas as promessas serão cumpridas, e Deus enxugará toda lágrima, como foi prometido no Sermão da Montanha (Mateus 5).

O termo “logos” (Verbo) também origina a palavra “legião”, do latim “legionem”, que significa “reunião de soldados”. Durante o império romano, uma legião romana era composta por cerca de 3 a 6 mil soldados. Cristo, o Logos (Verbo) divino é o capitão das legiões e potências celestiais, como ele mesmo anunciou: “Acaso, pensas que não posso rogar a meu Pai, e ele me mandaria neste momento mais de doze legiões de anjos?” (Mateus 26.53). Cristo é o Verbo, pois todos os anjos estão subordinados ao seu comando.

Quando lemos “o verbo se fez carne” em grego, a expressão “se fez” é “egeneto”, que pode significar “passar para”. Assim podemos ler “o verbo se fez carne” como “o verbo passou a habitar a carne”. Assim, a encarnação é o momento em que a plenitude da divindade que habita em Cristo (Colossenses 2.9) passou a residir provisoriamente em um corpo humano. Observe que em Colossenses 2.9, o termo grego traduzido por “habitar” é “katoikei”, que significa “fazer morada permanente”, enquanto em João 1.14, o termo traduzido por “habitar” é “eskênôsen”, que significa “fazer um tabernáculo” ou “fazer uma morada provisória”. Isso porque Jesus, “subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo” (Filipenses 2.6-7). Ou seja, Jesus esvaziou-se de sua glória para poder habitar provisoriamente um corpo humano. Todavia, quando de sua ressurreição, ele retomou todo o poder, e disse: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mateus 28.18).

Cabe ressaltar que, como vimos, a expressão “o Verbo se fez carne e habitou entre nós” pode ser traduzida como “o Verbo se fez carne e estabeleceu um tabernáculo entre nós”. Assim vemos que a glória divina somente pode habitar a terra através de um tabernáculo, ou uma tenda provisória e móvel como aquele que Deus ordenou que Moisés construísse (Êxodo 25.40). É evidente que, após a morte e ressurreição de Cristo, e após o dia de pentecostes, nós passamos a ser o tabernáculo de Cristo na terra. Observe que as três grandes festas judaicas remetem a esta realidade espiritual. Primeiro havia a Páscoa, que representava a morte e a ressurreição (Cristo morto e ressurreto). Posteriormente, o Pentecostes, ou a festa da colheita (o derramamento do Espírito Santo em Pentecostes). Por último, a Festa dos Tabernáculos, que representava o povo como forasteiro na terra, mas acompanhados pela presença e provisão divinas.

Na frase “habitou entre nós”, a preposição “entre” é, em grego, “en”, que é usada 645 vezes no Novo Testamento com o significado de “em”. Assim, podemos traduzir “e o Verbo se fez carne e habitou entre nós” como “e o Verbo se fez carne e estabeleceu um tabernáculo em nós”. Isso comprova que Cristo trouxe para dentro de nós, que agora somos templo do Espírito Santo (1 Coríntios 3.17), a sua habitação. Assim como Cristo fez um tabernáculo em um corpo humano quando encarnou, assim também fez um tabernáculo em nós, de modo que nos tornamos portadores de sua graça e de sua verdade.

“Cheio de graça e de verdade”. Em grego, o termo para “cheio” é “pleres”, que significa “pleno”, “repleto”, isso porque a graça e a verdade constituem a própria essência divina. O termo grego para “graça” é “charitos”, que está relacionado a “caridade”, “compaixão” e “gratidão”. Todavia, o termo equivalente em hebraico é “chesed”, que tanto pode significar “baixar a cabeça em respeito à igual” e “envergonhar” ou “reprovação”. Isso porque Jesus, ao encarnar, se humilhou e nos deu uma grande lição de humildade, mas também veio para julgar, como ele mesmo disse: “Quem me rejeita e não recebe as minhas palavras tem quem o julgue; a própria palavra que tenho proferido, essa o julgará no último dia” (João 12.48).

Outro termo relacionado à “chesed” (“graça”) é “chasut”, que significa “confiança”. O povo escarneceu da confiança de Cristo em Deus: “Confiou em Deus; pois venha livrá-lo agora, se, de fato, lhe quer bem; porque disse: Sou Filho de Deus” (Mateus 27.43). No final das contas, Deus livrou Jesus do tormento, pois Ele venceu a morte e voltou à vida! Cristo ficou firme (“chasiyn”) até o final, desejoso (“chassiyr”) por possuir (“chasan”) o tesouro (“chosen”) de sua herança.

Esta é mensagem do Natal: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3.16). Esse mesmo Jesus, que veio a terra cerca de dois mil anos está prestes a voltar para buscar-nos (João 14). Nesse Natal de 2010, pregue não apenas o nascimento, mas o retorno de Cristo, conforme a “bendita esperança” da noiva (Tito 2.13). Maranata! (1 Coríntios 16.22).
::Daniel Lago
Jornalista formado pela UFRJ, mestre em Linguística pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor de Filosofia da Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tendo estudado hebraico na Sinagoga ARI, em Botafogo – RJ. 

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